A espiritualidade, frequentemente relacionada a um sentido ou significado para a vida, propósito e conexão com algo maior, transcendental, desempenha um papel fundamental na vida das pessoas. Quando falamos em saúde, a espiritualidade pode influenciar a maneira como as pessoas lidam com as doenças, o sofrimento e os processos de tratamento, bem como em seu relacionamento com os demais membros do seio familiar e comunitário. O interesse crescente pela integração da espiritualidade nos cuidados de saúde reflete uma compreensão mais integral do bem-estar das pessoas. Entretanto, a abordagem inadequada da espiritualidade, especialmente quando associada à violência religiosa, pode ter efeitos adversos significativos no bem-estar dos pacientes e seus familiares.

Espiritualidade em saúde refere-se à consideração e integração das necessidades, crenças e práticas espirituais dos pacientes na prestação de cuidados de saúde. Diferente da religiosidade, que é a adesão a um conjunto específico de crenças e práticas religiosas, a espiritualidade é uma dimensão mais ampla que abrange questões como significado, propósito e transcendência. A abordagem de diferentes aspectos da espiritualidade em saúde pode incluir ações de apoio espiritual, podendo inclusive contar com o apoio de profissionais religiosos como cepalães, conselheiros espirituais e outros profissionais treinados para oferecer o suporte espiritual adequado, bem como a utilização de ferramentas específicas para avaliar as necessidades espirituais dos pacientes e familiares, a implementação de práticas como orações, meditação, leituras e rituais que possam ser complementares aos tratamentos convencionais, além de educação e treinamento de profissionais de saúde para que possam reconhecer e abordar as necessidades espirituais de pacientes e familiares de forma sensível, respeitosa e adequada.
Entre os diferentes componentes que podem ser avaliados em uma abordagem de apoio espiritual realizada por profissionais de saúde, podemos citar a transcendentalidade como um sentimento de ligação com algo maior, que pode ser representado por Deus, a natureza, o universo, ou qualquer relação entre estes e outros, propósito e significado, que pode ser descrito como a busca de sentido na vida e nas experiências, especialmente em momentos de adoecimento e/ou sofrimento, valores e crenças, que são os princípios que norteiam o comportamento e a tomada de decisões, bem como a comunidade e os relacionamentos que formam a rede de apoio, podendo incluir amigos e familiares, além de grupos religiosos e espirituais.
Evidências científicas robustas sugerem que a espiritualidade pode exercer impactos positivos em desfechos em saúde. Pessoas que recebem suporte espiritual frequentemente relatam maior sensação de bem-estar e satisfação com a vida, independentemente do estado de saúde ou da existência de alguma patologia. Práticas espirituais como meditação e oração podem reduzir os níveis de estresse e ansiedade, promovendo relaxamento e ferramentas de enfrentamento psicológico a situações adversas. Pessoas com forte sentimento de propósito e apoio espiritual tendem a aderir melhor aos tratamentos pactuados, possivelmente a um maior engajamento e motivação. Evidências também indicam que a espiritualidade pode estar relacionada a melhores desfechos clínicos, como redução da mortalidade em pacientes portadores de doenças crônicas e menor tempo de recuperação após a realização de procedimentos cirúrgicos. Vale ressaltar que o tamanho do efeito das intervenções espirituais em saúde sobre estes desfechos clínicos parece ser pequeno. Além disso, vieses identificados na realização de diversos estudos precisam ser levados em consideração. Por exemplo, ainda é escassa a literatura que considera o tamanho do efeito destas intervenções em matrizes religiosas fora do eixo judaico-cristão. E é principalmente neste aspecto onde podem residir os principais riscos da violência religiosa nos processos de cuidado em saúde.
A violência religiosa pode ser definida como qualquer forma de coerção, discriminação ou imposição de crenças religiosas, e pode ter impactos devastadores na saúde e no bem-estar de pacientes e familiares. Pessoas podem ser discriminadas ou estigmatizadas por suas crenças religiosas, afetando negativamente seu acesso a cuidados em saúde de qualidade e sua experiência no sistema de saúde. A imposição de práticas religiosas viola a autonomia de pacientes, provocando estresse adicional e sofrimento. Por isso é fundamental que qualquer intervenção espiritual seja consensual e respeite a vontade do paciente. Forçar crenças ou práticas religiosas pode produzir efeitos psicológicos negativos, agravando condições em saúde como transtornos em saúde mental preexistentes ou provocando novas condições. Além disso, a violência religiosa pode gerar conflitos entre pacientes, familiares e profissionais de saúde, comprometendo o ambiente de cuidado e a eficácia do tratamento. Por exemplo, pacientes em condições terminais podem se ver forçados a realizar rituais religiosos contra sua vontade, provocando ansiedade e desconfiança em relação à equipe de saúde. Ou ainda pessoas em contextos de vulnerabilidade social podem ter serviços de saúde oferecidos por instituições religiosas tendo seu direito à saúde colocado em prática por meio de uma barganha em troca de uma profissão de fé. Essa coerção social reduz a autonomia de indivíduos e comunidades, trazendo prejuízo à experiência do cuidado e provocando grande impacto social.
Para incorporação da espiritualidade aos cuidados em saúde de forma a trazer benefícios a pacientes, famílias e comunidades, algumas práticas são recomendadas. Introdução de ferramentas e abordagens que possam avaliar as necessidades espirituais de cada paciente de forma respeitosa e individualizada. Garantir que qualquer intervenção espiritual seja consensual e respeite a autonomia dos pacientes. Capacitar profissionais de saúde para lidar com as questões espirituais de forma sensível, respeitosa e informada. Promover um ambiente onde as crenças espirituais sejam respeitadas e acolhidas, evitando qualquer forma de coerção e discriminação.
A espiritualidade pode desempenhar um papel significativo na saúde, oferecendo suporte emocional e melhorando os desfechos clínicos. Porém, é crucial que a abordagem da espiritualidade seja realizada com técnica, sensibilidade e respeito, evitando a violência religiosa e garantindo o bem-estar dos pacientes, seus familiares e comunidades inteiras. A incorporação adequada da espiritualidade nos cuidados em saúde requer formação profissional contínua e uma abordagem centrada no paciente, respeitando suas crenças e valores individuais.